Pages

quinta-feira, 25 de março de 2010

Justiça e Mídia: um debate que vai além da televisão (caso Isabella Nardoni)


Já se passaram 4 dias e todas as emissoras de TV, umas mais outras menos verdadeiras, aumentam seu IBOPE com o sensacionalismo em cima do roteiro do julgamento do casal Alexandre Nardoni e Ana Carolina Jatobá.

Confesso que também fico meio estagnada em frente a Tv vendo as informações que são repassadas e pensando o quanto eu gostaria de estar lá pra ver de perto um dos júris populares mais impactantes do país. Afinal também tenho um quê de justiceira e rezo todos os dias para que a justiça possa verdadeiramente ser feita nesse país, primeiro que enquanto futura jurista tenho a obrigação de crer que isso é impossível e de querer fazer minha parte pra que isso aconteça, e depois porque existe um lado humano em mim que abomina a crueldade e a violência, tão rotineiras nos dias atuais.

Mas um fato que tem me chamado atenção verdadeiramente é a comoção da população em busca da tão sonhada “justiça”. Existem pessoas dormindo em frente ao Fórum de Santana só pra ver, nem que seja por minutos, o julgamento mais esperado do ano. E convenhamos que ao esclarecer os fatos que levaram à morte da menina, a justiça brasileira estará mostrando que não se prendem somente ladrões de galinha nesse país, e que a justiça pode ser feita. Isso é algo para esperarmos como quem espera por um milagre, afinal graças ao nosso Poder Judiciário falido é que existem tantos casos de corrupção e intervenção política.

Mas o que de fato tem me indignado não é o andamento longo e moroso do processo, praxe nesse sistema atolado do Judiciário, tampouco o advogado suado do casal que parece esquecer que nossa perícia técnica é uma das melhores do mundo e insiste em criticar o trabalho dos profissionais ou o promotor de olhos baixos que parece não ter se esquecido de muita coisa, mas está sob a mira de toda uma nação e qualquer erro pode ser “fatal”. O que de fato tem me deixado estarrecida são as especulações sobre o caso, e isso se arrasta desde o acontecimento há dois anos atrás, mas agora com o julgamento acontecendo e com toda essa repercussão nacional, as emissoras de Tv estão se dedicando quase que inteiramente ao assunto. Algumas levam juristas renomados para esclarecer dúvidas, o que eu acho louvável, vez que ao menos assim não se contarão tantas lorotas e nem são ditas tantas besteiras. Outras estão fazendo o maior drama novelístico com o caso, editando até vídeos sobre a vida da menina e da mãe, e de fundo fica uma repórter falando coisas que a mãe supostamente teria dito.

É claro que também fico comovida com o caso, tanto que fui levada à escrever sobre o assunto, mas o que de fato me leva a escrever é o sensacionalismo que a imprensa tem feito sobre o caso, e ao invés de passar informações técnicas sobre o assunto e ter um caráter de fato informativo, instruindo a população sobre os trâmites normais dos júris populares de acordo com a lei pátria, insiste em transformar o assunto num show a parte, com personagens chorosos e um enredo dramático.

Na verdade ao que se parece, uma das características mais marcantes da imprensa hegemônica nos últimos tempos é a de incorporar a mesma lógica discursiva dos produtos midiáticos de entretenimento, em particular a telenovela, às notícias. Ou seja, transformam as notícias em novela para chamar mais a atenção do público menos exigente e deixam do lado o que de fato seria importante, que é passar a informação correta, informando a população do que é um júri popular como esse e os porquês de tanta demora.

Por ser um produto midiático enraizado no gosto popular, o jornalismo encontra na imitação da lógica narrativa da telenovela um meio para alcançar públicos e, assim, manter uma certa legitimidade social, uma vez que cada vez mais abandona o seu papel de fomentador do debate público.

Juridicamente o caso é extremamente interessante sim por se tratar de um indiciamento por homicídio doloso em que os acusados são parentes próximos da vítima, ou seja, trata-se de uma modalidade de parricidium* e isso por si só já é de uma intensidade profunda. Ocorre que casos semelhantes acontecem constantemente e a população ainda desconhece o funcionamento do poder pátrio criminalista.

Não pormenorizo a emoção da família em ter uma criança retirada do seu ciclo natural de vida por sei lá quem (ao que parece haverão esclarecimentos hoje). Na verdade considero abominável a atitude do casal “supostamente” culpado em permanecer indicando a presença de um terceiro no apartamento onde tinham gotas de sangue da criança e pegadas do pai em cima da cama que foi usada para arremessá-la do 6.º andar. O que discordo é todo esse condão virtual desnecessário. O caso por si só já tem características que dispensam musicas melódicas de fundo ou frases emocionadas. É um absurdo por si só.

Gostaria de ver um dia a mídia dando informações á população para que todos possam compreender como funciona o sistema penal do nosso país, e ainda, qual o papel de cada jurista num julgamento como esse, e porque demoram tanto todas as ações.

A população merece e precisa estar informada. Precisa conhecer o direito. Precisa ver a ciência jurídica no seu dia-a-dia e se familiarizar com a hermenêutica existente em cada decisão. Porque emoção ninguém precisa explicar, trata-se de algo inato, pré-estabelecido pelas divindades Celestes, mas no código penal não vem legenda explicativa para leigos e a Constituição Federal não é o livro de cabeceira do povo.


 

*Filho que mata pai

0 comentários:

Postar um comentário