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sexta-feira, 18 de junho de 2010

Ensaio sobre o adeus


Poema à boca fechada


Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.

Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas.

Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.

Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais bóiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.

Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.

José Saramago

É com triste pesar que lamento infinitamente a morte do mestre José Saramago, não apenas pelas suas linhas longas e, por vezes, cansativas de seus livros maravilhosos, mas pela lucidez que tinha ao enxergar pela cegueira...
O mundo certamente ficará mais burro e mais cego também.
E como ele mesmo outrora havia dito, ele não morreu sem dizer tudo, porque sabia que não podia.
Ensaiemos o adeus que ficará eternizado pela sua lucidez.

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