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quarta-feira, 14 de julho de 2010

Aleijado às Avessas




“Vejo e já vi coisas piores: e as há tão
espantosas, que não quereria falar de
todas elas nem também calar-me sobre
alguma, a saber: há homens que
carecem de tudo, conquanto tenham
qualquer coisa em excesso − homens
que são unicamente um grande olho, ou
uma grande boca, ou um grande ventre,
ou qualquer outra coisa grande. – A
esses chamo eu aleijados às avessas.



Quando, ao sair da minha solidão,
atravessava pela primeira vez esta
ponte, não dei crédito aos meus olhos,
não cessei de olhar e acabei por dizer:
‘Isto é uma orelha! Uma orelha do
tamanho de um homem!’ Acercava−me
mais, e por trás da orelha movia−se
algo tão pequeno, mesquinho e débil
que fazia compaixão. E efetivamente: a
monstruosa orelha descansava num
tênue cabelo esse cabelo era um
homem! Olhando através de uma lente
ainda se podia reconhecer uma cara
invejosa, e também uma alma vã que se
agitava no remate do cabelo. O povo,
contudo, dizia−me que a orelha grande
era não só um homem mas um grande
homem, um gênio. Eu, porém, nunca
acreditei no povo quando ele me falava
de grandes homens, e sustento a minha
idéia de que era um aleijado às avessas
que tinha pouquíssimo de tudo e uma
coisa em demasia”.


(Trecho de Assim falou Zaratrusta - Friedrich Nietzche)
E como tudo o que vem de Nietzche... dramático, clandestino, forte, real...

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